VEJA AQUI A ENTREVISTA DO MAESTRO ROBERTO MINCZUK AO PORTAL G1 DA GLOBO

02/06/2011 12:39

Henrique Porto Do G1 RJ

Foram cerca de quatro meses de crise, que tiveram como consequências o desligamento de 36 músicos e o atraso do início da temporada 2011.

Agora, selecionados 21 novos instrumentistas (9 brasileiros e 12 estrangeiros) em audições internacionais realizadas em Londres, Nova York e Rio de Janeiro, a Orquestra Sinfônica Brasileira parece finalmente pronta para "um projeto artístico muito amplo", segundo seu diretor artístico e maestro, Roberto Minczuk.

"O projeto foi criado para que pudéssemos oferecer os melhores salários possíveis no país, para que o músico se dedique à OSB e não tenha que tocar em três ou quatro lugares diferentes. E para que possa ter tempo de estudar em casa. Como o atleta, o músico tem que se manter em forma. Foi um choque que muitos não entenderam", lamentou Minczuk, que recebeu o G1 na Sala Baden Powell, no Rio, para uma entrevista exclusiva durante a etapa carioca de audições.

Em janeiro, o maestro viu parte do corpo orquestral da OSB se recusar a fazer avaliações individuais propostas pela Fundação Orquestra Sinfônica Brasileira (Fosb). A insubordinação provocou a demissão de parte dos instrumentistas.

"Essas avaliações nunca tiveram o caráter demissionário, mas serviriam para apurar o que há de bom e o que precisa ser melhorado individualmente, dando feedback para o músico e oportunidade para ele estudar, se preparar. E oferecer condições para que ele possa se esforçar e atingir seu melhor", disse.

Com a casa rearrumada, é hora de retomar os ensaios, que começam este mês. O primeiro concerto do calendário 2011 acontece no dia 10 de agosto.

G1 — Que mentalidade um músico da OSB deve ter?
Roberto Minczuk —
A mentalidade de profissional, de alguém que seja realmente apaixonado por música. E interessado em alcançar o melhor nível possível, desempenhar o seu melhor. E construir uma orquestra. Porque é um trabalho de grupo, de equipe.

G1 — Quando o senhor assumiu a orquestra em 2005, como encontrou o corpo orquestral?
Minczuk —
O corpo orquestral sempre teve pessoas de muito valor, mas a orquestra estava um pouco desestruturada. Estava sem maestro já há algum tempo. Então, não havia direção musical. Faltava esse rumo. Você tinha indivíduos tocando muito bem, mas faltava uma unidade. Este é um trabalho que amo fazer: construir o som da orquestra, fazer com que quatro trompas soem exatamente como uma. Isso é essencial. Que os músicos sejam todos músicos preparados e aptos a desempenhar as suas partes de forma que nenhum naipe seja prejudicado.

G1 — Sobre a crise que atingiu a orquestra nos últimos meses, por que o senhor acha que os músicos se mostraram tão resistentes à uma avaliação?
Minczuk —
Parte dos músicos resistiu às mudanças, não só às avaliações. É um projeto artístico muito amplo e pelo qual lutamos nesses seis anos. Foi criado para que pudéssemos oferecer os melhores salários possíveis no país. Para que o músico se dedique à OSB e não tenha que tocar em três ou quatro lugares diferentes. E para que possa ter tempo de estudar em casa. Como o atleta, o músico tem que se manter em forma. A gente também fez uma programação de música de câmara no primeiro semestre, onde os músicos atuariam em trios, quartetos, quintetos, sextetos. É onde eles são donos da própria interpretação. São valorizados porque são tratados como solistas. Evidentemente que requer um desempenho maior individual de cada um. É um desafio musical para que ele dê o seu melhor.

Durante muitos anos, a orquestra funcionou de uma forma não inteiramente profissional"
Roberto Minczuk

Também foi uma das exigências do conselho da Fosb que cada músico fosse avaliado individualmente, a exemplo de outras orquestras, como a própria Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, a orquestra de Minas Gerais e a orquestra de Brasília. Lá fora, as orquestras de Hong Kong e de Seul avaliaram todos os seus músicos. Hoje são exemplos de excelência. E que passaram por processos semelhantes para atingir um novo patamar nessa ascensão artística. Essas avaliações nunca tiveram o caráter demissionário, mas sim para apurar tudo o que há de bom e o que precisa ser melhorado individualmente, dando feedback para o músico e oportunidade para ele estudar, se preparar. E oferecer condições para que ele possa se esforçar e atingir o seu melhor.

Também temos uma exigência maior em números de ensaios. A OSB nunca ensaiou à tarde, por exemplo, apenas em meio período. Até agora, ela trabalha no máximo 21 horas semanais. Então, essa nova proposta requer uma dedicação maior, com mais ensaios, ensaios à tarde.

Durante muitos anos, a orquestra funcionou de uma forma não inteiramente profissional. E o que a gente gostaria de ter é uma rotina profissional semelhante às melhores orquestras, não só aqui da América Latina, mas orquestras internacionais.

G1 — Exite um grupo que resistia a isso?
Minczuk —
Sim, um grupo que não queria mudanças, que gostaria de continuar fazendo a orquestra do jeito que ela sempre foi. Mas é a fundação quem gere a orquestra, quem vai atrás dos recursos. Porque é uma fundação privada e depende de patrocínio. E ela entende que a orquestra não pode ter a mesma rotina dos últimos anos. O projeto foi sempre inclusivo. O desejo era de que todos participassem e aceitassem esse desafio sabendo que teriam a oportunidade de crescer e se desenvolver para alcançar o patamar desejado por todos.

Na verdade, o projeto atrai os músicos que ambicionam não simplesmente fazer parte de uma orquestra boa, mas que querem uma orquestra melhor. Uma orquestra que leva o nome do Brasil e que possa representar a qualidade que o Brasil almeja ter. Evidentemente que existe um desafio e algo a ser dado em troca: dedicação, tocar da melhor forma possível, ser assíduo e buscar diariamente a excelência. Sem isso a gente não consegue atingir um patamar mais alto.

G1 — E como se comportavam os instrumentistas desalinhados com o projeto?
Minczuk —
Tivemos casos de músicos que mandavam atestados médicos para fazer outros trabalhos. Teve um músico que, durante o ano, mandou 25 atestados médicos. Um dos músicos é dono de uma pizzaria e de uma sorveteria em Porto Alegre. E também mandava atestados médicos de lá. E faltava aos ensaios e concertos. Fica difícil de trabalhar com essa situação. É o tipo de comportamento de quem não tem compromisso com a OSB.

G1 — Além da as avaliações, o senhor acha que essa crise teve outra motivação?
Minczuk —
Pode ser que muitos não estejam interessados em mudanças. Muitos talvez gostariam de trabalhar menos. E continuar no esquema anterior. Mas não é dessa forma que a fundação enxerga. Seus conselheiros realmente ambicionam ter uma orquestra cada vez melhor, que tenha reconhecimento, como uma orquestra de nível internacional. Que não fique atrás de outras orquestras brasileiras ou latino-americanas, mas que possa ser reconhecida como uma orquestra excelente. Mas OSB cresceu muito nesses últimos anos. E acho que vai continuar crescendo pelos anos à frente.

Teve um músico que, durante o ano, mandou 25 atestados médicos. Um  é dono de uma pizzaria e de uma sorveteria"
Roberto Minczuk

G1 — O Sr. acha que poderia ter evitado essa crise de alguma maneira?
Minczuk —
Acho que muitas coisas poderiam ser feitas de uma maneira melhor. Muitas pessoas cometem erros. Poderia haver uma integração e uma comunicação melhor. Na verdade, num certo momento, a comissão dos músicos não quis mais discutir as avaliações e decidiu por não fazê-lo. A partir do momento onde não houve mais essa vontade de se falar desse processo, criou-se um entrave. Infelizmente isso foi algo que a gente nunca quis que acontecesse. Sempre estivemos abertos para discutir todo esse processo e toda essa proposta, que realmente dá as condições que o músico sempre sonhou ter: bons salários, uma programação de música de câmara, onde o músico é valorizado. Foi um choque que muitos não entenderam.

 

Escrito por: Bruno Vaz

Fonte: G1 Globo